A ERVA-MATE: História, Lenda e Realidade

A ERVA-MATE: História, Lenda e Realidade

O primeiro ciclo econômico da região do Contestado foi o da exploração da erva-mate, iniciado por volta de 1860, quando os grandes ervais nativos regionais passaram a ser explorados devido à crescente demanda da erva-mate no mercado externo. Desde esse tempo os moradores tinham na erva-mate a principal fonte de renda, praticando alguma pecuária de subsistência e na mesma finalidade uma pequena agricultura.

Ervateiros paranaenses provenientes de Rio Negro, Lapa, São José dos Pinhais e Palmeira, os precursores da ocupação e da colonização do Contestado, cruzavam os rios Negro e Iguaçu e nas terras devolutas praticavam a coleta da erva-mate, abrindo entranhas na vastidão das florestas de araucárias. A valorização da erva-mate como principal produto de exportação do Paraná avivou a cobiça dos poderes econômico e político de Santa Catarina, fazendo recrudescer a disputa pelo território, avivando a célebre Questão do Contestado. Mais tarde, o ciclo econômico da madeira também colaborou para o acirramento da contenda, mal resolvida apenas em 1916 e de funestas conseqüências para a população da área contestada. Durante a Guerra do Contestado, a paralisação das atividades produtivas, incluindo a da erva-mate, trouxe considerável diminuição na escassa renda da população e sérios revezes às rendas públicas.  

            De uso indígena, a erva-mate ganhou importância econômica a partir da presença dos jesuítas espanhóis, que difundiram o hábito do chimarrão entre os brancos. Em seguida, a chegada dos euro-colonos também acelerou a valorização da erva-mate como fonte de renda, produzindo na região os primeiros coronéis ervateiros, sobretudo em Rio Negro e União da Vitória, as cidades mais importantes da região sob litígio. Elementos de grupos étnicos que jamais tiveram conhecimento da erva-mate, principalmente germânicos e libaneses, logo dominaram o comércio e a exportação de erva-mate, produzindo ligeiras fortunas. Até mesmo o capitalismo internacional, através da empresa Lumber explorou a erva-mate na região do Contestado.

Nos primeiros tempos, antes do advento das ferrovias, a erva-mate cancheada era transportada para Joinville (SC) ou Curitiba (PR) ao lombo das tropas de mulas, mediante as carroças tracionadas por cavalos ou ainda pela navegação fluvial, principalmente através dos rios Negro e Iguaçu. Hoje poucos sabem que a ascensão de Joinville como pólo industrial catarinense foi alavancada pelo beneficiamento da erva-mate. Desse processo econômico emergiram figuras políticas importantes no cenário de Santa Catarina, centradas em Abdon Baptista, que chegou à governança estadual e à senadoria, exercendo o típico papel do coronel urbano que se refletiu em tantos outros industriais das cidades onde o dinheiro da erva-mate construía oligarquias e ditava as regras. Nessa ordem, em municípios como Canoinhas, Rio Negro e União da Vitória a erva-mate edificou palacetes, elegeu prefeitos e vereadores.

Na segunda e na terceira décadas do século XX, amparada pela exploração desenfreada da madeira, a erva-mate fez de Canoinhas uma das mais pujantes cidades catarinenses, atraindo migrantes e aventureiros. Todavia, repetindo um processo histórico de concentração de riquezas, o extrativismo da erva-mate e da madeira não estabeleceu bases sólidas de desenvolvimento social. A modernização tecnológica e produtiva, a concorrência dos ervais argentinos e a crise financeira de 1929 aceleraram a desintegração do império ervateiro regional. Numa tentativa de conter a queda iminente, em 1934 os principais produtores de erva-mate de Canoinhas criaram uma cooperativa destinada a recuperar o prestígio e os lucros perdidos.

Entretanto, apesar dos ufanismos e dos sentimentalismos costumeiros, ano a ano a erva-mate perdeu a importância dos primeiros tempos. A lendária figura do ervateiro desapareceu, assim como a partir dos anos 1970 as grandes extensões de ervais nativos ano a ano são devastadas, dando lugar às monoculturas mecanizadas. Apesar dos desmentidos oficiais que insistem em dizer que as matas nativas estão sendo preservadas, nos dias atuais assistimos à desertificação das florestas de araucárias onde a erva-mate sempre viveu consorciada. Ao mesmo tempo, ainda são tímidas as iniciativas voltadas ao reflorestamento de erva-mate. Basta dizer que na região do Contestado apenas dois por cento da produção ervateira é oriunda dos reflorestamentos. No Oeste catarinense esse índice sobe para 60%.

Na economia de Canoinhas, a erva-mate não representa mais que 2,5% da receita municipal e 2% do total das indústrias locais. Mesmo assim, a produção regional tem aumentado, talvez decorrente da diminuição do intervalo entre as colheitas, a exploração de novos ervais nativos e as melhorias de manejo e a adoção de novas tecnologias de produção. Dados de 1995 dão conta que a produção ervateira do Planalto Norte Catarinense foi de 27.054 toneladas de erva cancheada, de um total de 79.350 toneladas produzidas nesse ano em Santa Catarina.

 

A lenda

          

Há muitas versões acerca do aparecimento da erva-mate. Todas as lendas têm procedência indígena. Uma delas conta que um dia um velho cacique Guarani percebeu que não podia acompanhar seu povo pela floresta. Ele decidiu construir uma casa, onde passou a viver acompanhada da jovem filha Yari. Com o passar do tempo, o velho índio percebeu que Yari, naquela solidão, estava perdendo a jovialidade e a alegria.

            Um dia, na choupana do índio guerreiro apareceu um andarilho que foi recebido com grande atenção. O visitante como e bebeu e Yari passou a noite cantando pra ele. Noutro dia, o forasteiro se disse enviado de Tupã e que aquela hospitalidade merecia uma recompensa. Então o velho índio pediu que Tupã lhe desse uma outra companhia, um amigo fiel para suas horas mais amargas. Assim Yari poderia voltar à sua tribo e viver plenamente a sua vida. O visitante entregou-lhe uma folha, informando que ela se chamava caa’íari e que significa água de erva. Bebida em infusão, a erva seria companhia nas horas tristes e alegres.  O emissário de Tupã contou que a erva, cheia de um perfume de bondade, se espalharia pela floresta, trazendo o conforto para todos os homens. Dali em diante Caá-Yari tornou-se a senhora dos ervais e a deusa dos ervateiros.

Séculos depois, quando os padres jesuítas espanhóis chegaram à América, condenaram o uso do chimarrão, chamando-o de erva-do-diabo, prometendo a excomunhão a quem a bebesse. Diante da insistência dos indígenas, os jesuítas adaptaram a lenda de acordo com as regras cristãs.

            Em lugar do andarilho, quem apareceu na tenda do velho índio foi Jesus Cristo e seus apóstolos. No dia seguinte, revelando-se enviado de Deus, Cristo disse que tamanha hospitalidade recebia uma recompensa. O índio Guarani então pediu que Cristo liberasse Yari das tentações do pecado, mas lhe desse outra companhia para suas horas de solidão. Cristo deu ao índio uma planta que lhe seria eternamente bondosa e verdejante, podendo ser desfrutada em todos os momentos da vida.

            Dali em diante a lenda pagã estava cristianizada e agora a Igreja também poderia lucrar com o comércio da erva-mate, pois o seu consumo assim se tornara um hábito católico. Durante mais de 150 anos os jesuítas controlaram o comércio da erva-mate e também foram os primeiros a estabelecer regras para o seu plantio e a sua poda.

 * FERNANDO TOKARSKI, pesquisador e professor de História Regional, membro da Academia de Letras Vale do Iguaçu (União da Vitória/PR).

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